quarta-feira, 29 de abril de 2009

A REGRESSÃO DE UMA ESPÉCIE

Contrariando a teoria de Darwin,pode parecer desatinado a quem me lê, mas, se tem uma espécie que regrediu é a humana.
Não me refiro à tecnologia e ao conhecimento,refiro-me à afetividade.Essa está em franco desaparecimento. O desejo representado pelo enlaçar das mãos, pelo beijo demorado, pelo olhar fascinado tem perdido sua conotação afetiva e vem sendo substituído pela necessidade de possuir alguém como um objeto que se descarta na primeira oportunidade de se alcançar um novo objeto. Homens e mulheres caçam a próxima ou o próximo a ser abatido, antevendo as possibilidades de uma nova caçada.
Se no passado diziam que o homem queria ser Deus, significando a busca da perfeição; hoje podemos dizer que o homem quer ser um bem de consumo exposto na vitrine de uma loja suntuosa de um shopping glamouroso. Cada vez mais nos produzimos, procuramos enganar o tempo com cremes ou cirurgias plásticas e vendemos a nossa essência por qualquer elogio banal que exalte qualidades que possivelmente nunca tivemos, ou que já perdemos por não nos termos mais. A figura brilha, mas a alma perdeu sua luminosidade. Eu diria que, nessa regressão afetiva, estamos beirando à pré-história e precisamos, com urgência, resgatar ( o elo perdido?) o afeto que nos torna, embora humanos, próximos à divindade.

sábado, 25 de abril de 2009

SERENIDADE

Revejo hoje o passado recente com olhar mais preciso.Quando cheguei ao novo local de trabalho,onde exerceria uma atividade completamente diferente da que me dedicara por muitos anos, ela veio sorridente receber-me e seu tipo físico e seu estilo inconfundível para se trajar, despojado e ao mesmo tempo sóbrio, trouxeram-me à mente uma mulher que marcara a minha vida estudantil.Negra, cabelos que emolduravam seu rosto sereno e meigo, sorriso quase inocente, elegante.Perguntou-me o nome, apresentou-me a outros colegas, e disse-me um sincero " Seja bem-vinda!". O tempo cuidou de aproximar-nos. Começamos a trabalhar lado a lado e não foi surpresa para mim ser justamente como a imaginava. Profissional irrepreensível, tinha um senso de justiça do qual eu partilhava.Admirava sua paciência com o próximo, pois eu nunca seria capaz de tanto. Dedicada à família, era um exemplo para quem quisesse aprender. Só posso agradecer à vida por nossos caminhos terem-se encontrado. Tenho sorte, e ela nem sabe que penso assim também por ela. Seu nome? É um nome sonoro e delicado. Prefiro chamá-la pelo que ela está me ensinando a ter: Serenidade.

terça-feira, 14 de abril de 2009

BAILARINO



Seu nome claudicava,entretanto era um dos maiores bailarinos que já conheci.Com mais de meio século de dança, do samba ao tango, ele flutuava nas pistas dos salões paulistanos.Inteligente,sorridente e charmoso, não havia mulher que não cedesse a seus encantos.Na primeira vez que conversamos, não mais de meia hora, ele conseguiu narrar, sem economia de informações, várias histórias por ele vividas nos bailes.Um Don Juan, com a sutil safadeza brasileira.Sabia intuir, às primeiras falas de uma mulher o que ela realmente desejava ouvir. Não economizava nos adjetivos que engrandeciam até as menos belas se as realmente belas não estivessem presentes no salão.Todas desejavam ser seu par, as bailarinas e as principiantes. Dançar com ele era uma oportunidade de evidenciar o que sabiam, ou aprender os passos que ele, generosa e orgulhosamente, ensinava.Embora não me tenha dito nada sobre seus sentimentos, eu arrisco minhas palavras para dizer o que vi em seus olhos. Não era um olhar de bom malandro como ele tentou pintar sua imagem. Era um olhar cheio de ternura e calor, como se me quisesse acolher, não para me conquistar, mas para ter-me como amiga. Isso me envaideceu e espero que possamos criar uma suave amizade, que flutue nos salões da vida.