sexta-feira, 27 de julho de 2007

ALGARAVIA

À dona Adelaide

Há muito não ouvia a palavra que saiu melodiosa... A tépida fala entre a Espanha e o Brasil. Um pé lá outro cá.
O rosto era belo. Moreno, sobrancelhas arqueadas. O tempo vivido no continente americano a fez mais espanhola.
Não pude resisitir à voz e à palavra que renascia...algaravia...A fluência com que me contava a Espanha me transportava para o lugar onde nunca estivera.
" A arte se faz nas ruas. Ri-se muito... canta-se...Lorca? Sim... mas rasga-me o peito; meu pai morreu na guerra civil, Foi um tempo triste de miséria e humilhação, Viemos para o Brasil. .. Sabe que visitei um povoado onde as mulheres teceram um tapete de seda e ouro?De uma beleza de fazer chorar..."
Um tapete de seda e ouro...
" E o teatro na calle, na rua! Ah, que sonho! A dança, o canto, a música, aquela algaravia."
" Algaravia"- pronunciei a palavra lentamente, imaginando o que ela presenciara.
"Sim, como se diz ... como algazarra, sabe? Muito ruído, todos falando ao mesmo tempo..."
Algaravia, Algarve... Não. algaravia não é algazarra. Algazarra é violenta, rude, áspera.Algaravia....via...via... suave. Vozes, muitas vozes espanholas naquela voz. Risos... canto, rompendo a crosta cotidiana, penetrando, raio atingindo a carne. Mais que palavra. sangue .Origem.
"Acho que estou falando demais. Incomodo, não? Desde que cheguei é a primeira pessoa a quem conto essas coisas todas que vi. Revi a família, a cidade onde nasci...Sabe, gosto muito de conversar, mais do que isso, gosto das pessoas todas...Crianças, velhos, homens, mulheres... estou cansando voce, não?
" Não, é bom ouvi-la falar. Sua voz tem sabor de terra. É como se eu estivesse na Espanha. Faz-me muito bem."
" Ah, quero dar um presente a você."
"É lindo, obrigada!"
Era um leque espanhol..." Como hacen las espanholas?" Perguntei-lhe com meus parcos conhecimentos da língua e daquela mulher que me impressionava por seu pulsar intenso de vida...Ela, com um belíssimo sorriso, abriu o leque à espanhola...E foi, num olhar entre alegria e dor, deliciosamente vibrante e quente... ALGARAVIA!...

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