domingo, 29 de julho de 2007

OLHAR DO CORAÇÃO

A minha grande amiga Sônia


Tarde chuvosa de verão...Yris espreguiçou-se na cadeira de balanço onde adormecera ouvindo música. Acordou renovada...Um sonho suave e acalentador acrescentava novidade àquele despertar.
Yris nunca esmorecia. Diante de grandes tombos que levara, abalava-se, porém reeerguia-se e continuava a caminhada. sempre acreditou na vida. Pondera o presente, balaçando-se com vagar. O que poderia fazer com aquela chuva insistente que não combinava com o pulsar quente de vida em seu coração? Dirigiu-se à janela...Podia ver o mar mais agitado do que nos outros dias. Precisava sair e ver gente...As nuvens cinzentas logo desapareceriam ou suavemente se abririam para dar passagem aos raios de ol.
Às vezes, na rua, observava os rostos... tantos rostos marcados pela dor, olhos baços sem esperança. Conseguia, quando tinha sorte, encontrar pessoas sorrindo, não socialmente, de coração...Onde deixara o guarda- chuva? Nunca sabia. Era melhor aguardar para sair... Quando menina, caminhava sob a chuva alegremente. Gostava de sentir o rosto e os cabelos molhados, sensação de liberdade. Quando perdera esse gosto? estava consciente de que muito se perde ao longo da vida, mas não sabia porque nunca mais caminhara sob a chuva... que foi cessando... e ela, lepidamente, pegou a bolsa e saiu...Lá vai ela lendo do outdoor ao cão sarnento que dorme na calçada...Que proveito faz dessas leituras? Perguntam os amigos. mal sabem eles que ela não quer tirar proveito algm, só quer aprender a enxergar nem mais nem menos do que os outros...É preciso treino constante para não se perder a capacidade de ver a vida. A areia tépida envolvendo-lhe os pés já descalços...Se pudesse também desnudar a alma! Só, diante daquele mar!... Agora o sol vinha acariciar-lhe o rosto...Sentada à beira-mar, respirava sinceramente o fim da tarde....Para Yris o cenário era pura poesia!
Acreditava que a sinceridade estava acima de tudo nesta vida. Entretanto, a mentira poética ela aceitava como verdade inquestionável. Os homens hábeis com as palavras encantavam-na. Percebia que mentiam, até mais do que os simplórios,e fazia de contam que tudo era verdade; uma verdade em que só os que conhecem o reino das palavars acreditam. Criavam mundos, sentimentos, vestiam-na com doces e delicadas palavra a que ela se entregava com o suave suspiro das mulheres românticas.
Olha o mar... enxerga o horizonte... Ele surgiu, sem saber de onde nem por quê, para fazê-la, enfim, feliz, como nunca fora. Como criava com ternas e delicadas palavras a história que começaram a viver! Pouco importava, a ela quem era, onde vivia. Estar com ele, através das palavras, era vida!... Chegou de mansinho... aquele tigre...duas palavras cá, duas lá. Bolero sensual da linguagem da vida. Dançavam à distância. Ou ela dançava e ele, felino maestro, observava, dirigindo-a?Noite...encontro nos sonhos dela delirante. Ele conduzia no andar cadenciado do ritmo sutil de cada frase sugerida... e ela só ouvindo o que a imaginação lhe ditava. "Segredos de um abismo do meu mar", divagava Yris. seduzida pelas palavras! Não o gesto, não o rosto, mas as palavras...."Ai, palavras... que estranha potência a vossa", não a potência do Romanceiro da Inconfidência. A Yris, a revolução que ora interessava era a do coração, a potência do discurso amoroso... E não viveu nem metade do que as palavras dele prometiam. Mesmo assim, viveu como nunca! Horas a fio conversavam....Andava suspirar pelas ruas da cidade a que nem mais prestava atenção.
Vivia agora numa cidade imaginária onde só os dois existiam. Durante meses Yris foi feliz mergulhada num mundo de mentiras poéticas, até que sem saber para onde e por quê, ele se foi.
Olhou o mar, não tão agitado agora... Rememorou palavras, momentos e continuou sentindo aquela terna felicidade que lhe deixara no coração...Quantas mulheres tiveram o privilégio de viver intensamente o instante da paixão sem ficar com a dolorosa cicatriz do abandono? Isso já lhe bastava. Observou o céu. Que pôr-do-sol irreverente! Invadindo o corpo, alucinando a memória. sangue quente das touradas, de todas as guerras vitoriosas e perdidas, pincelando o céu...Ela respirou a vida como quem descansa da maratona ininterrupta e fotografou com um piscar de olhos o ouro sobre sangue no horizonte. Suspirou buscando o azul...O Olhar rejuvenescendo de paz....O amor tardaria chegar novamente? tanto fazia! Alimentava-se daquele céu que nenhum homem poderia dar-lhe e poucos saberiam as sensações que nela despertavam. Yris não conseguia despertar de vez de seu mundo de sonhos e tampouco resguarda-se, permitindo que sempre brotasssem em seu coração sentimentos intensos. Que fazer? nascera de peito aberto para a vida....As luzes da cidade... uma a uma como olhos piscando, vento com cheiro de mar. Um último flash daquele mar indescritível....Hora de enfrentar o presente...
Ergue o corpo lentamente como quem carrea o fardo da memória. caminhar pela praia e deixar a mão do vento cariciar os cabelos " O vento só fala do vento...A mentira está em ti" ecoam os versos pessoanos na lucidez que relutar aceitar. Levanta os braços como se quisesse alcançar o céu e, vagarosamente, desenha no ar, com seu corpo, o arco da aliança. Lágrima tem sabor de mar.

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